FOI MESMO "PURO PRAZER" por Marcio Seidenberg Naquela noite, 8 de maio, o Scala nao estava completamente lotado para a ùltima - das quatro apresentaçoes do show Puro Prazer, no rio de Janeiro. O palco da casa tomava a platéia praticamente de ponta a ponta e, de tao grande, constratava com os poucos instrumentos nele dispostos - havia apenas o piano, o teclado e dois microfones. Aos poucos, o pùblico ia chegando. Tinha lido na Internet, tempos atràs, que Zizi Possi "é a cantora que a gente curte bastante quando està na faixa dos 30 anos". Eu entao, diante dos meus 23 anos, seria um "menino precoce"?, pensei, diante dos muitos adultos, casais e poucos jovens - o que legitimava a tal suposiçao. Nao importa, entretanto. Das mesas, ouvia-se o burburinho, o eleogio dos fâs, a preocupaçao de que a cantora està sem gravadora; diante do atraso, porém, palmas e assobios exaltados pediam pelo inìcio do espetàculo. Trinta minutos passados do horàrio previsto, o pianista Jether Garotti Jr. introduz a suave melodia de "Disparada", esperando por Zizi, que surge pouco depois. Sorridente, ela recebe os vigorosos aplausos da platéia e, feminina em seu belo e longo vestido pùrpura, começa o show com os "galopantes" versos da cançao de Geraldo Vandré e Théo de Barros. A diva canta os primeiros versos, como se fosse uma apresentaçao para o pùblico, e estivesse nos dizendo: "Prepare o seu coraçao, pra coisas que eu vou "cantar"... Apesar de pouco conhecido, Puro Prazer, cd de 1999, vendeu mais de 100 mil còpias e concorreu ao Grammy latino de 2000, na categoria de melhor àlbum contemporâneo brasileiro, e melhor performance feminina pela interpretaçao da mùsica "Meu erro". Acompanhada apenas pelo piano de Jether garotti Jr., Zizi fez releituras de mùsicas gravadas em diferentes momentos de sua carreira e acrescentou inéditas em sua voz. O repertòrio do show é baseado no disco homônimo, màs nao se resume somente a ele. Aclamada pela interpretaçao de Disparada, Zizi seguiu em espanhol com "Volver a los diecisiete" de Violeta Parra, voltando ao português com a bela "Renascer" de Saint Saenz/Altay Veloso, uma pérola - infelizmente escondida - do CD "Valsa brasileira". Jà "Pedaço de mim", sucesso nos anos 80 pelo com Chico Buarque, trouxe eufòricos apalusos - màs somente ao final da mùsica. Foi curioso observar o respeito da platéia. As pessoas cantavam baixinho pra nao atrapalhar, e sò faziam coro quando Zizi convidava, ou quando era mesmo fatal - caso de "Asa morena" e outros clàssicos. Tinha gente que ficava em silencio e de olhos fechados até. O senhor, sentado ao meu lado, sò balançava a cabeça, afirmativamente, aprovando o que ouvia. Por vezes uma nova mùsica começava sem que as palmas tivessem cessado totalmente. Zizi subia ao palco somente para cantar... E assim o show prosseguia; ela cantando "Yesterday" dos Beatles, gravado no CD Bossa, seu ùltimo trabalho, lançado hà três anos; reconfortando os ouvidos dos fâs mais antigos com "Nunca" de Lupicinio Rodrigues; mostrando a beleza da letra de Gonzaguinha em "Viver, amar, valeu" e, brincando - como sempre fez - com os versos de "Rebento" do GIlberto Gi. Uma pausa - providencial - para Jether ajustar um instrumento. Valeu a espera. Em "Lamentos" de Pixinguinha e Vinicius de Moraes, inevitàveis e entusiasmados aplausos quando o companheiro de Zizi deixa o jà afinado clarinete, para continuar a mùsica ao piano. "Puro prazer" foi um desfile de obras-primas de Joao Bosco, Tom Jobim, Gilberto Gil, Gonzaguinha, Chico Buarque, entre outros compositores que estavam ali, todos respeitados em sua individualidade e genialidade e, ao mesmo tempo, uniformizados pela forma com que Zizi Possi colore suas interpretaçoes. Porque quando ela canta "Corsàrio", ou "Luiza", ou "O que é o que é" - nao importa a mùsica -, Zizi imprime sua identidade mùsical, deixa sua célula, cria sua marca. Nao serà essa a principal caracteristica de um grande interprete? Talvez concebido para homenagear os 25 - ou seriam 26 - anos de carreira da cantora, o show, saudosista como hà tempos nao se via, trouxe cançoes gravadas pela diva no inicio dos anos 80. Supresa e deleite para os fâs, e também para quem somente acompanhou sua carreira de interprete a partir do disco "Estrebucha baby" de 1989, no qual ela deu uma reviravolta artistica e passou a buscar um repertòrio mais sofisticado, como se estivesse assim se desvinculando da Zizi (brega?) que cantava "Perigo", "Noite" e *Caminhos de sol". Felizmente, "Asa morena", "Nunca" e "O amor vem pra cada um" foram recriadas e, acreditem, ficaram ainda melhores. È muito interessante cantar com a minha maturidade de hoje (essas mùsicas) porque é outra "pegada", è outro jeito de dividir, é outra emoçao, disse ela." Piano e voz é um formato extremamente minimalista e, em alguns momentos de "Puro prazer", tem-se a impressao de que algo poderia ser acrescentado ao resultado da mùsica - como o arraanjo "bossa" para Rebento, presente no CD Sobre todas as coisas. Màs o que compensda essa ausência de instrumentos é o entrosamento entre Jether e Zizi. Primeiro porque a cantora se sente como se estivesse sendo acompanhada por uma orquestra de cordas, como na fase "Per amore" - màs està là, sò ao piano, e isso é tudo. Ela parece segura para desafiar as notas mais dificeis de "Beatriz", ou as extensoes de "Luiza". Ela e o pianista brincam no palco, trocam olhares e movimentos que somente a convivência de 13 anos de trabalho poderia proporcionar. Nao menos "cùmplice", Edu Lobo, a surpresa da noite, juntou-se a Jether e Zizi, apòs esta cantar "Valsa brasileira", mùsica dele em parceria com Chico Buarque. Ovacionado pelos fâs e tanto mais pela diva, ele dividiu os vocais em três cançoes: "Pra dizer adeus", num dueto afinado e emocionado. O pùblico nao resistiu e cantou alguns versos... Zizi ainda fez a festa com a famìlia de Edu Lobo, que estava na platéia: "Cadê os lobinhos? Uma verdadeira alcatéia...(risos) o ùnico coletivo que eu decorei na escola (risos). Era o destino (risos)". Depois, veio a belissima "Beatriz", insuperàvel no disco "Puro prazer". Edu voltou aplaudido ao palco, para cantarem juntos "Sobre todas as coisas"; ele se perdeu um pouco na mùsica, Zizi consertou, Jether atrasou um compasso - isso sim é que é parceria. Aplausos. As homenagens proseguem; "Luiza" de Tom Jobim tràz a filha ao palco para cantarem juntas "Haja o que houver", - do grupo Madredeus - e uma das faixas do CD Bossa. Um bonito encontro mùsical entre mae e filha, e a critica que se faz a respeito da cançao é diluìda quando se assiste às suas juntas, no palco, uma cantando para a outra, sò por vezes olhando para a platéia... A filha de Zizi promete, sim, tanto pela performance de "Angel", conhecida na voz de Sarah McLachlan e apresentada no show, quanto pela recriaçao de "Quase um segundo" de Herbert Vianna, que està em seu disco de estréia. "Puro Prazer é um show feito sem pretensao - a nao ser a de fazer Mùsica (assim com M maiùsculo)", afirma Maria Izildinha Possi, 48 anos, quase ao final do show. Zizi brindou ainda o pùblico com "Meu erro" do Herbert Vianna, que ela gravou, regravou e continua a cantar. Também com "Per amore", que surgiu no bis, para recordar a fase italiana. A surpresa ficou por conta do resgate de "O que é, o que é" de Gonzaguinha, ao final. Zizi "tropeçou" na letra de algumas mùsicas, aachando rapidamente o equilibrio - afinal quase todas elas fazem parte de seu vasto repertòrio, à excessao de "Pra dizer adeus" e "Fly me to the moon". Gostaria de ter ouvido "Porta estandarte" do Geraldo Vandré e Fernando Lona, que ela somente cantou no show Bossa. Os fâs devem ter saìdo do Scala com sede de novidades - de um àlbum repleto de inéditas como o Mais simples, de 1996 -, màs também reconfortados e revigorados em viajar no passado e assistir à cantora revisitando sua obra. Isso lava a alma. No palco, na voz, na dança das maos (que ela executa como ninguèm), no respiro e até nos silêncios da mùsica - em tudo a gente observa a maturidade e a experiência dos 26 anos de carreira de Zizi Possi. Foi mesmo um "Puro Prazer" (assim com P maiùsculo)! PS: Zizi, grave "Porta estandarte"!
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